Brilho nos olhos

Inerte, sozinho e contemplando a paisagem que aquele alto rochedo lhe confere, ele sente-se, alias, ele é o Rei!

Ao fundo do vale algo se mexia, talvez uma mãe ralhava com o filho, um jovem casal partilhava sonhos ou algo mais, uma jovem aprendia uma valsa esquecida no tempo, alguém nascia, alguém morria... enfim o que entendemos por vida.
Mas ali, confundido por uma rocha, ele apenas via vultos e podia ver sem ser visto, acima de tudo imaginava o que se passava lá em baixo. Sem ninguém a perturba-lo ele olhava para o vale imaginando-o um vale perfeito, equilibrado a sua imagem. Sentia-se no entanto observado, algo estaria acima dele, mas não podia pois aquele era o rochedo mais alto da zona e ele não era religioso…

Sentiu o vento frio de norte, imaginou que a chuva não demoraria a fazer-se sentir naquele vale castigado. Centenas de anos de lutas feudais cicatrizaram o vale, rochas negras, ruínas dispersas de antes grandes fortalezas… mais subtis eram as cicatrizes com milhões de anos, falhas e fendas de terramotos, vulcões, ventos, tempestades… Sempre em constante mutação, imaginou as centenas de pessoas que teriam estado naquele lugar a contemplar aquela paisagem, milhares talvez… mas porque é que ele era especial?
Ele sentia-se único, talvez porque chegou lá como nenhum outro havia chegado! Olhou para cima, esboçou um sorriso e gritou o mais alto que pôde. Ele era o rei!

Em seguida ajoelhou-se e descarregou nas veias uma dose de heroína digna de um rei! Rebolou e deitou-se a admirar o céu enquanto o corpo era tomado de assalto pelo calor e formigueiro orgasmico… sentiu o sol na cara como um rei o sentiria e fechou os olhos, nem sentiu quando a terceira facada lhe perfurou o coração…. Na outra ponta da faca um sorriso e um brilho nos olhos… afinal…

O REI MORREU …. VIVA O REI!